...Talvez...
Nasceu assim. E essa foi a experiência mais intensa de toda sua vida. Observar. Observava tudo e todos e fazia isso constantemente. Não podia parar. Talvez fosse característica de sua natureza humana. Talvez fosse apenas uma mania que até ali não sabia se era boa ou ruim. Sabia apenas que observava. Nenhum detalhe escapava de sua visão. Parecia ter olhos em todas as costas. Não tinha um sexto sentido. Mas observava. E enxergava. Enxergava até o que ninguém conseguia ver. Mas tinha um defeito. Tinha dois defeitos. Tinha vários defeitos. Talvez fosse característica da natureza humana. Ás vezes se pegava tentando entender o que estava tentando entender. Ás vezes procurava um amor pra sua vida. Passara toda sua vida esperando pelo grande amor. Não acreditava mais em amor. Mas ainda tinha esperança de encontrar alguém para dividir seus medos, fraquezas, desejos, sonhos. Mas pensava longe demais. Talvez estivesse certo. Talvez a vida o enganava. Não tinha certeza. E procurava. E tentava entender. E tentava entender o que estava tentando entender. E esperava. Esperava o amor. Pensava demais no que seu futuro poderia reservar. E observava. Talvez esse fosse o seu maior defeito. Pensava e observava tanto a vida dos outros que não tinha a sua. Não sabia quem era. Isso o incomodava. Mas passara a vida inteira assim. Observando, pensando, procurando, desistindo. Fazia tudo isso. Mas não vivia. Ou talvez isso fosse viver. Um dia o surpreenderam. Perguntaram na entrevista de emprego quem ele se imaginava num prazo de dez anos. Não sabia. Não sabia nem quem ele era hoje. Quem era Eutanásio Vieira? Não sabia responder algo que apenas ele saberia responder. Ninguém mais saberia. Entrou em coma. Continuou a observar. E descobriu que um nome qualquer não fazia dele alguém. E contrariando os astrólogos descobriu que sua personalidade não era condicionada pelos nomes. E que descoberta. Isso porém não mudou muito em sua vida. Ele continuava observando. Saiu do coma. Decidiu que não iria mais apenas observar. Tentou decidir. Mas já começou tomando as decisões erradas. Ou talvez fossem as certas. Decidiu que não precisava procurar alguém pra amar. Bastava amar. E fez. Porém amou a pessoa errada. Ou talvez fosse a certa. Continuou amando. Não sabia o que era o amor. Mas amava e observava. Tinha percebido que o destino reservara para ele essa observação intensa, e nem se tentasse conseguiria deixar de observar. Talvez fosse característica de sua natureza humana. E amou ainda mais. Amou aquela que tinha tudo para ser a escolhida. Outra porém surgiu para ser amada. Havia aprendido que só se podia amar uma por vez. Mas contrariava o que havia aprendido. Talvez fosse característica de sua natureza humana. Não deixou de amar. Nisso estava certo, ou não. Seu único problema foi não deixar de amar as duas, ou as três. Talvez esse não fosse o problema. Estava confuso. Entrou novamente em coma. Não sabia o que fazer. Mas fez. Observou. Era o que sabia fazer de melhor. Saiu do coma. Percebeu então que o alguém que esperava estava sempre ali. Pobre Eutanásio. Observava tudo tão bem que nem mesmo percebeu que o amor de sua vida estava ali. Valentina era seu nome. Se casaram. Tiveram filhos. Pensaram juntos. Observaram juntos. Por pouco tempo. Valentina e seus filhos morreram num acidente de carro. Destino? Acaso? Decidiu de vez que iria acabar com toda sua observação. Decidiu parar de viver. Dessa vez havia decidido. Atirou em seu próprio peito. Não morreu. Ou melhor. Morreu. Muitos anos atrás. Talvez por isso só observava. Talvez.
Redigido por
Por um momento, esse texto tinha tudo a ver comigo. Mas eu cai na real na minha vida, antes da parte final. É triste e tão real, pra mim, ao mesmo tempo.
ResponderExcluirIsso mesmo Larissa. Creio que todos nos colocamos nessa situação pelo menos uma vez na vida.
ExcluirGostei do texto, bem complexo. Por mais que não tenha nada ligado a mim, mas ainda assim eu gostei. Acho que aquele ditado se encaixa aqui : "Mente ociosa é oficina do Diabo". Acho que as pessoas tem que tentar não pensar, não observar demais. E passar mais a viver. Mesmo que se tome as erradas decisões as vezes, mas que as tome.
ResponderExcluirObservar é importante para compreender o outro e se compreender, mas creio que não basta só observar. É preciso também agir, para passador de observador para observado.
ExcluirUau... adorei seu texto.
ResponderExcluirFiquei relembrando a época que eu escrevia também...
Eu preciso agir e não só observar... sair do coma logo.
Adoreiii
Fico feliz que tenha gostado. Talvez esteja na hora de agir e voltar a escrever, rsrs.
ExcluirParabéns pelo texto, você escreve muito bem, adoro a coluna Pelo Avesso! Você escreve poesias? Acho que cairia tão bem em você a imagem de poeta! *-*
ResponderExcluirObrigado Desyrre. Fico muito feliz em saber que gosta da coluna. Nunca me arrisquei a escrever poesias. Ser poeta é um desafio muito grande. Mas podemos nos aventurar e quem sabe qualquer dia desses teremos uma poesia na coluna.
ExcluirNadja, faz pouco tempo que acompanho o blog, mas os textos que li, mesmo que tenham sido poucos, e que foram escritos por você, são maravilhosos. Você escreve super bem!
ResponderExcluirE-mail: juliamariamoraes2013@gmail.com
Nome de seguidor: Julia Moraes
Olá Júlia, continue acompanhando a coluna e o blog, e nunca se esqueça de comentar nas publicações. A participação de vocês é muito importante para nós!
ExcluirDeixar a vida apenas passar é realmente estar morto, e pensar que muitos fazem isso.
ResponderExcluirBjs, Rose.
Olá Rose,
ExcluirComo diria Yann Martel em "As aventuras de Pi": “Escolher a dúvida como filosofia de vida é o mesmo que escolher imobilidade como meio de transporte." É preciso sair dessa zona de conforto e agir.
nossa que texto incrivel!! me fez realmente refletir sobre tudo e ate pq as vezes acho q deixo a vida passar e nao faço nada :( belo texto!!
ResponderExcluirOlá Jack,
ExcluirObrigado! Que bom que gostou! Fico muito satisfeito em saber que o texto cumpriu uma de suas funções: a de provocar reflexão. Abraços
Cara, que texto TOP. Parabéns! E que final é surpreendente!
ResponderExcluirAcho que o segredo para sair desse coma não é observar ou agir apenas, mas sim os dois juntos... Observar e agir, ao mesmo tempo.
Bjss =)
Amei demais este texto, pois podemos interpreta-lo de várias formas, creio que as vezes temos medo de arriscar e pensamos e decidir amanha e esperamos e perdemos tempo nosso toa, pois observar demais e ter medo e completamente diferente de observar e ter atitude correta.
ResponderExcluirParabéns pelo texto...
"Porém amou a pessoa errada. Ou talvez fosse a certa. Continuou amando. Não sabia o que era o amor." Me identifiquei totalmente!
ResponderExcluirO texto é incrível, me emocionou! Você escreve muito bem, parabéns!